Quem acompanha o blog, sabe que a novidade é o principal requisito que uma invenção precisa cumprir para que um pedido de patente seja concedido e vire uma Patente. Em consequência, a data do depósito é primordial porque é o marco que serve de referência para comparação. A lógica é simples: essa invenção já existia no dia em que foi depositada? Se já, então ela não é nova, Art. 11, rua! Claro que a vida real é bem mais complicada que isso, além da novidade tem a atividade inventiva, o período de graça, a prioridade, alguns dos quais já abordamos aqui. Mas, nenhuma dessas nuances altera a importância que as datas, em especial a data de depósito, tem para um pedido de patente. A segunda data mais importante é a data do pedido de exame, momento a partir do qual a mágica de transformar um pedido de patente em patente realmente começa a acontecer.
A razão para a importância da data do depósito é que alterações no pedido precisam ser limitadas. Do contrário, teríamos situações esdrúxulas como: “ih, não é novo, não? Então, deixa eu fazer uma alteraçãozinha aqui. Pronto, agora, é novo”. Se o sistema existe para estimular inovação não pode aceitar situações esdrúxulas como essa. Nem no sentido de ser permissivo demais, nem no lado oposto: “não pode mudar nada: uma vez depositado, estátua!”. Como eu venho reiteradamente insistindo, o sistema de patentes só atende ao seu objetivo de estimular a inovação se estiver em equilíbrio. Apoiado em uma das pontas ele estimula ou o abuso do poder econômico de um lado ou a estagnação de uma economia que não inova e só copia do outro. Nenhuma dessas opções me agrada e não deveria te agradar também.
Atualmente, o que temos na Lei de Propriedade Industrial, que não é a lei de patentes industriais, nem a lei de propriedade intelectual e nem a lei de proteção ao índio - sim, acredite, já ouvi todas! - Já ouvi também que o INPI, lido como impe, é o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, esse é o valor dado à propriedade industrial nestepaíz, mas digresso – é o Art. 32. Infelizmente faz parte do processo legislativo o consenso e, não raro, a política é a arte do possível, então não é incomum redações, digamos, meio capengas. Diz o Art. 32.
Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido.
A intenção é boa, permite que pequenas alterações sejam feitas e a gente sabe que elas são frequentemente necessárias, mas coloca dois limites, um primeiro limite temporal e um segundo limite que é o limite de conteúdo. Pode mudar? Pode. Mas, não pode acrescentar conteúdo ao que foi depositado! Teoria dos conjuntos básica: novo conjunto proposto precisar estar integralmente contido no conjunto inicial.
A matéria revelada é composta por tudo o que foi entregue junto com o pedido e que hoje está disposto no Art. 19, isto é, relatório descritivo que descreve a invenção, as reivindicações que compõem a matéria que realmente delimita a proteção que a patente confere e o resumo, podendo, ainda ter desenhos, exemplos, sequências de DNA, célula viva, etc. Sobre o que é matéria revelada não resta controvérsia. Mas, como de boas intenções o inferno está cheio, esse nosso querido Art. 32 esqueceu de estabelecer como ficaria o período após o exame.
Se a limitação de conteúdo que ele introduziu na legislação foi bem pensada, a limitação temporal foi um desastre! Pela letra fria desse artigo, as mudanças só são permitidas até à data do requerimento de exame que é normalmente feito 36 meses depois do depósito. Mas, e depois? Depois, não pode mudar nada? Se a leitura for uma leitura bem estrita essa é a conclusão a que se chega. Só que isso seria um absurdo! Imagina, um erro de tradução ou um pequeno ajuste, como excluir uma reivindicação de método terapêutico ou de planta transgênica não poder ser feita só porque já passou a data do requerimento de exame? Cenário de horror. Inúmeras pedidos de patente seriam negados.
Umas das soluções de compromisso seria entender que até essa data essas mudanças seriam de natureza voluntária e que após essa data, as mudanças seriam fruto da exigência do exame técnico. Só que tem um detalhe: isso não está em nenhum lugar da lei!
Uma outra solução é entender que até o pedido de exame pode mudar qualquer coisa, desde que limitada à matéria revelada (relatório descritivo, reivindicações, resumo, desenho, etc) e após o pedido de exame, pode mudar, mas limitado à matéria reivindicada que é aquela contida somente nas reivindicações que é um conjunto bem menor do que o conjunto de matéria revelada. Só tem um detalhe: isso tampouco está em nenhum lugar da lei! Redigiu mal as reivindicações? Só lamento.
Em 2013, o INPI depois de muita controvérsia optou pela segunda interpretação e publicou a Instrução Normativa n°93 que é de aplicação obrigatória por todos os examinadores. O resultado? Algumas muitas ações judiciais questionando esse entendimento e não é sem razão, ele não tem suporte na lei; o que tem suporte na lei é não permitir mudança nenhuma! Só que o argumento que muitas vezes é empregado sobre o fato de as alterações terem sido feitas após exigência e não de maneira voluntária é tão sem base na letra da lei quanto. Confesso: tem horas que eu me sinto em um palácio de absurdos, defendendo um absurdo contra o outro.
Eis que o Congresso, por meio da Câmara dos Deputados resolveu se manifestar e propor alteração no Art. 32. Maravilha! Vão finalmente preencher a lacuna e acabar com essas ações malucas, certo? Eu já mencionei a parte sobre as boas intenções e o inferno, né? Então. Saca só o texto aprovado na Câmara dos Deputados:
Já ouviram o ditado popular: “trocar seis por meia dúzia”? Alteraram alguma coisa sobre ser voluntário ou mediante exigência? Não. Falaram como fica depois do pedido de exame? Não também. Vossas Excelências, matéria revelada já inclui todo o caput do Art. 19, sempre incluiu. Nunca houve controvérsia ANTES do pedido de exame. Será que alguém leu a Instrução Normativa n°93? Pelo visto, não, porque a justificativa diz que “alguns examinadores” interpretavam matéria revelada como matéria reivindicada. Como se os examinadores pudessem não seguir a norma sem ferir o Princípio da Hierarquia na Administração Pública, isso dá PAD! Ao contrário do que dizem uns e outros ignorantes, servidor público pode ser demitido, sim.
Muito se fala no atraso no exame dos pedidos de patente, mas tem noção de quantas vezes se é obrigado a parar de examinar para responder a ação judicial com prazo exíguo? Quando a ação é seria e envolve discussões complexas como sobre se um evento de transformação genética de planta é de elite ou não, a gente fica tenso, mas compreende a necessidade, mas quando é para discutir redação ruim de artigo de lei, só resta a indignação e a raiva mesmo. Porque o atraso no exame das patentes não é só culpa da gestão do INPI e do Poder Executivo, não. A gente reclama do ativismo judicial e eu sou dessas, mas quando vê como o nosso Congresso se posiciona em temas complexos - isso quando não se omite! – a gente até compreende porque certos temas acabam por precisarem ser decididos no Supremo Tribunal Federal, mesmo essa não sendo a via adequada para discutir conveniência. Harmonia entre poderes, galera, harmonia!
Então, vamos aproveitar que o PL que foi aprovado na Câmara ainda vai passar pelo Senado para ajudar nossos Senadores com algumas propostas? Não sou mulher de fazer parte do grupo que faz críticas vazias sem sugerir alternativas. Sem fazer juízo de valor sobre qual a melhor opção política que isso quem tem que fazer é quem foi eleito, apenas com um olhar técnico visando a resolver as ações judiciais, seguem algumas propostas de redação:
Proposta A – um extremo:
Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações A QUALQUER TEMPO ANTES DE FINALIZADO O EXAME, VOLUNTARIAMENTE OU MEDIANTE EXIGÊNCIA TÉCNICA, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido.
Proposta B – o outro extremo:
Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações SOMENTE até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido.
Proposta C – ponderada 1:
Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações VOLUNTÁRIAS até o requerimento do exame, E APÓS O REQUERIMENTO DE EXAME, MEDIANTE EXIGÊNCIA TÉCNICA, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido
Proposta D – ponderada 2:
Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido E APÓS O REQUERIMENTO DO EXAME, DESDE QUE LIMITADAS À MATÉRIA REIVINDICADA NO QUADRO REIVINDICATÓRIO VÁLIDO.
Proposta E – ponderada 3:
Art. 32. Para melhor esclarecer ou definir o pedido de patente, o depositante poderá efetuar alterações até o requerimento do exame, desde que estas se limitem à matéria inicialmente revelada no pedido E APÓS O REQUERIMENTO DO EXAME, MEDIANTE EXIGÊNCIA TÉCNICA, DESDE QUE LIMITADAS À MATÉRIA REIVINDICADA NO QUADRO REIVINDICATÓRIO VÁLIDO.
E, aí? Qual você escolheria? Proporia mais alguma redação? Escreva aí nos comentários.
Em tempo, sempre é bom relembrar aos jornalistas: marcas e patentes são coisas diferentes, tá?