Faz diferença se uma invenção não patenteável por força de lei for considerada nova e inventiva? Se alguma tecnologia for considerada como não sendo invenção ou modelo de utilidade, faz diferença se ela for nova e inventiva? Então por que as reivindicações de um pedido de patente precisam ser examinadas quanto à novidade e à atividade inventiva quando incidem nos Arts. 10, 18 da Lei da Propriedade Industrial (LPI) ou 6° da Lei de Biossegurança?
A LPI prevê, em seu Art. 8°, que são patenteáveis as invenções[1] que atendam aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Desse artigo depreendemos 4 requisitos de patenteabilidade ao qual se soma o Art. 18 em que a LPI lista o que considera como não sendo patenteável. De lógica semelhante está o Art. 6° da Lei de Biossegurança que se inter-relaciona com a LPI ao proibir o patenteamento de tecnologias genéticas de restrição de uso (sementes estéreis). Esses requisitos somados ao requisito primordial da suficiência descritiva que norteia a barganha na qual o sistema patentário se sustenta precisam ser concomitantemente atendidos, são eles:
1. Ser invenção (Art. 8° c/c Art. 10 da LPI);
2. Ser novo (Art. 8° c/c Art. 11 da LPI);
3. Ser inventivo (Art. 8° c/c Art. 13 da LPI);
4. Ter aplicação industrial (Art. 8° c/c Art. 15 da LPI);
5. Não ser não patenteável (Art. 18 da LPI) ou ter o seu patenteamento proibido (Art. 6° da Lei de Biossegurança); e
6. Suficiência Descritiva (Art. 24 c/c Art. 25 da LPI).
Basta o enquadramento em apenas um deles e a matéria reivindicada já não pode mais ser patenteada. Isto é, ainda que uma reivindicação cumpra os quatro requisitos de acordo com o Art. 8° o seu enquadramento no Art. 18 já é suficiente para que ela não possa ser protegida por meio de patente.
Ora, se basta a incidência em um desses artigos, por que a reivindicação precisa ser examinada para todos os outros? Por que compreender a invenção, buscar e examiná-la quanto à sua obviedade ou não quando ela já não é patenteável mesmo. Faz diferença se o milho transgênico foi obtido por transformação com o gene X ou Y quando ele, por ser planta transgênica já não pode ser patenteado mesmo? Faz diferença buscar e discutir um método diagnóstico de aplicação no corpo humano que não é considerado invenção pela LPI? Com mais de 200 mil pedidos em estoque, por que desperdiçamos a estrutura da máquina pública examinando reivindicações para as quais não há chance de patenteamento? Por que entupimos nossos pareceres de “ademais”, “além disso” e “adicionalmente”?
O parecer atualmente utilizado no INPI inclui quadros, em que todos os artigos da LPI relevantes ao exame são listados e que são de preenchimento obrigatório já no primeiro exame; a premissa é a de que o primeiro exame deve ser o mais completo possível, daí, inclusive, ter mais tempo disponibilizado para ele. O presente artigo tem por objetivo propor um novo modelo de parecer em que uma vez que uma reivindicação seja enquadrada em algum óbice, o exame dessa reivindicação termina nesse ponto. Claro que há casos em que a patenteabilidade de uma reivindicação pode ser restaurada mediante modificação na redação, nesse caso, o exame pode e deve continuar, após o examinador apontar isso, como fica evidente a partir do modelo de parecer pré-busca que pode ser baixado aqui. Mas, para os casos em que tal modificação não for possível de ser realizada em virtude, por exemplo, do Art. 32, o exame para tal reivindicação não deve continuar. Assim que todas as reivindicações tiverem sido examinadas e devidamente enquadradas, o exame deve ser considerado encerrado já que perde objeto em relação aos requisitos restantes.
A principal vantagem e também a mais óbvia é a diminuição do tempo de exame já que somente as reivindicações que contêm uma invenção, sejam patenteáveis e estejam fundamentadas no relatório descritivo serão efetivamente buscadas e examinadas para os requisitos de novidade e de atividade inventiva que, notoriamente, são os que requerem mais dedicação do examinador por envolverem uma compreensão profunda da lógica que levou até à invenção. Mas, essa metodologia traz ainda uma outra vantagem que é a compreensão por parte do inventor de que de nada adianta provar no pedido de recurso que a invenção dele é nova e inventiva. Ela pode de fato até ser, mas não sendo patenteável, não há que se falar em concessão de patentes. Não é incomum um pedido chegar à segunda instância enquadrado em vários artigos, como 10, 18, 25 e 8° c/c 13 em que o recorrente apresenta artigos científicos com vistas a provar a inventividade de sua invenção quando ela simplesmente não é patenteável por se tratar, por exemplo, de planta transgênica ou de método de diagnóstico.
No modelo proposto, o primeiro item após a determinação do quadro reivindicatório válido é reservado para os casos de redação muito ruim e que são vistos de pronto (a priori) sem necessidade de aprofundamento. Pedidos com relatórios descritivos que não descrevem nada ou reivindicações sem verbo já ficariam por aqui já que são impossíveis de serem examinados quanto ao seu conteúdo uma vez que vazios. É o enquadramento para os casos folclóricos de “formosa natureza”, “segredos patológicos” ou “microrganismo 1”. Clique aqui para baixar o modelo de parecer ora proposto com exemplos de reivindicações que se enquadrariam em cada quadro.
Na sequência, deve-se verificar as matérias não patenteáveis que constam do Art. 18 da LPI e do Art. 6° da Lei de Biossegurança. Aqui, assim como no Quadro 4 seguinte em que se verifica se o pedido contém uma invenção, o examinador deve apontar quando acreditar que é possível reverter o enquadramento mediante alteração da redação. Exemplo: A reivindicação 1 não pode ser aceita porque reivindica composição compreendendo como único ingrediente um produto natural, mas poderá vir a ser aceita caso o depositante una essa reivindicação com a reivindicação 2 em que os demais ingredientes possíveis da composição são listados quantitativa e qualitativamente.
Convém chamar a atenção para a alternância da ordem do Sim e do Não. No modelo de parecer atual, eles estão sempre nos mesmos lugares, ou à direita ou à esquerda. No entanto, como a legislação às vezes define o que é patenteável de maneira positiva, às vezes de maneira negativa, como o que NÃO é invenção e o que NÃO é patenteável, um pedido no parecer atual, ora possui marcação à esquerda, ora à direita, o que é visualmente confuso para o leitor. Na presente proposta, a depender da pergunta o Não vem primeiro e o Sim na sequência. A lógica é que a primeira opção é a que te leva direto a pular etapas. A opção que vier depois, seja o sim ou não te faz continuar examinando a próxima pergunta. Em vez de normatizar pela posição do sim e do não, normatiza-se pela lógica da pergunta que deve ser feita para o devido enquadramento na legislação.
A cada Quadro as reivindicações enquadradas para as quais não é possível vislumbrar possibilidade de restauração são deixadas para trás. Tão logo isso ocorra para todas as reivindicações, o exame do pedido dar-se-á por encerrado. Com esse modelo de parecer, minimiza-se o erro de esquecer requisitos que não ocorrem com tanta frequência, como a ausência de unidade de invenção, que culmina no exame do requisito de atividade inventiva, muito mais complexo, para reivindicações para as quais não faz sentido esse exame.
Note ainda que a busca só deverá ocorrer para os pedidos que passarem incólumes pelos Quadros 2 a 7. Para os demais, propõe-se que antes de proceder à busca, o examinador deve emitir parecer de Exame Técnico Pré-Busca. Caso todas as reivindicações incidam nas proibições sem possibilidade de reversão, o parecer já será de código 7.1, isto é, indicando um futuro indeferimento. Na possibilidade de restar reivindicações sem enquadramento ou de ser possível vislumbrar alterações nas reivindicações, o parecer será de exigência técnica, código 6.1. Ainda assim, a Busca de Anterioridades só ocorrerá após a adequação da redação das reivindicações. Isso evita a realização de busca para reivindicações que, por exemplo, não estão fundamentadas no relatório descritivo ou para matérias que não são consideradas invenção ou que não são patenteáveis e permite uma busca precisa para a matéria que é efetivamente reivindicada.
A busca de anterioridades só ocorrerá no primeiro exame caso nenhuma reivindicação tenha sido enquadrada nos artigos dos Quadros 2 a 7 previstos na legislação, terceira hipótese do Quadro 8. A busca de anterioridade é condição sine qua non para a aferição dos requisitos de novidade e atividade inventiva. O que se está defendendo, no entanto, é que a avaliação desses requisitos não deve ocorrer quando qualquer um dos demais requisitos de patenteabilidade não for atendido. Somente invenções podem ser novas e inventivas. Se a conclusão for de que o que se reivindica não é uma invenção, não se deve proceder à busca nem se deve examinar quanto aos requisitos de novidade e de atividade inventiva, já que o atendimento dos mesmos não fará diferença para a decisão final de não se aceitar tal reivindicação por um enquadramento em um artigo anterior, isto é, o exame dos Arts. 8° c/c 11 e 13 fica prejudicado perante o Art. 8° c/c 10 ou o Art. 18 ou o Art. 8° c/c 15. Contrario sensu, caso o exame conclua se tratar de uma invenção, cujo patenteamento não seja proibido e que seja aplicável na indústria, o exame deve prosseguir, sendo o estado da técnica devidamente buscado para que os requisitos de novidade e de atividade inventiva possam ser examinados.
Pode-se argumentar que poucos pedidos teriam todas as suas reivindicações enquadradas nas proibições legais, no entanto, em um cenário de Backlog de 200.000 pedidos, 5% significa 10.000 pedidos e 10% significam 20 mil pedidos, quase a produtividade inteira do INPI em um ano. No entanto, não temos informação qualitativa sobre o Backlog atual, o conteúdo do Backlog não é estudado. Não sabemos se o impacto será grande ou pequeno. Bem pode ter um impacto de 50% ou até mais em algumas tecnologias específicas. Como nunca coletamos essas informações para o Backlog passado, sequer podemos estima-las para o backlog futuro. Tudo o que temos é tão somente as percepções individuais subjetivas de cada examinador. Como os exames entre as divisões técnicas não são de todo homogêneos, essa percepção é também ela bastante variável. Eu, pessoalmente, como examinadora há 15 anos da Biotecnologia, já examinei uma quantidade grande o suficiente para me lembrar de pedidos que, se examinados de acordo com a presente proposta, teriam o seu exame muito acelerado. Mesmo nos casos em que somente uma parte das reivindicações de um pedido for atingida, já há um diferença considerável entre buscar e aferir a novidade e a atividade inventiva para 50 reivindicações ou somente para 5. Em algumas tecnologias, a concessão de um pedido tal como depositado é artigo raro.
Essa quebra do exame em duas partes, antes e depois da busca, é interessante também porque com o backlog restam depositados no INPI pedidos para os quais os depositantes já não possuem interesse e que apenas permanecem na fila por pura inércia. As estatísticas de arquivamento por não resposta ao primeiro exame nem sempre refletem que o exame foi muito bem feito. Muitas vezes, apenas que o depositante não tem mais interesse no patenteamento daquela tecnologia depois desse tempo todo. Isso foi percebido na época de implementação do Despacho 6.6 para o CGEN em que o arquivamento por ausência de resposta deu um pequeno salto. Cada mercado tecnológico se comporta de um jeito e as estratégias são peculiares aos depositantes. Esse Exame Pré-Busca já era previsto nas Diretrizes de Exame de 2002 de maneira semelhante para os Arts. 10 e 18, mas foi abandonado após a estrutura assumida a partir de 2004. Oferece uma oportunidade para o arquivamento definitivo do pedido, quando o exame for de exigência técnica, ou de indeferimento por não manifestação quando o exame for de ciência de parecer. O procedimento atual de um primeiro exame muito completo, contando 1,2 na produção para facilitar o segundo exame que conta somente 0,8, não leva em consideração a estatística de arquivamento por não resposta ao primeiro exame.
De maneira ainda mais ideal, teríamos a realização de um Pré-Exame, reunindo aspectos objetivos que podem, inicialmente, serem realizados por um técnico de nível médio ou analista de nível superior, com uma hora-homem mais em conta para a Administração Pública, em que tais aspectos mais objetivos e que não requeiram a expertise técnica de um Examinador seriam abordados. O custo de oportunidade da alocação de um Mestre ou de um Doutor na Tecnologia para a verificação de aspectos pontuais são negligenciados nos procedimentos atuais. Tais requisitos, apesar de objetivos, são verificados hodiernamente pelo Examinador ou pelo Chefe de Divisão, também ele um potencial Examinador, a um custo de oportunidade elevado, pois o tempo dispendido nessa tarefa poderia ser mais eficientemente empregado no exame de aspectos técnicos dos pedidos de patente. Pela presente proposta, o pedido já chegaria para o Exame pronto para ser examinado tão somente em seus aspectos técnicos de maior complexidade. Exemplos de aspectos objetivos são o cumprimento dos requisitos contra Biopirataria (CGEN), anuência prévia (ANVISA), Sequências Biológicas (Sisbiolist), além da ausência ou presença de expressões suspeitas, como CARACTERIZADO POR, “cerca de”, “substancialmente”, “percentual de identidade” natural, transgênico, radioativo, caseiro, jogo, bula, planta, animal, célula, etc oferecendo uma oportunidade ao depositante que tiver interesse em agilizar o seu exame à proceder a um autoexame preventivo. Nessa mesma etapa, Busca e Exame internacionais (ISA/IPER, Busca US ou EP) podem ser solicitados, dando a oportunidade ao depositante de, caso desejem, trazer os quadros concedidos nesses países para apreciação pelo INPI. Seria uma espécie de triagem daquelas que são realizadas por um profissional de Enfermagem no Pronto-Socorro que terminam em pulseiras amarelas, verdes ou vermelhas.
Na Etapa Seguinte, após a Busca, a lógica se manteria. Somente seriam avaliadas quanto ao requisito de atividade inventiva aquelas reivindicações que forem novas ou cuja novidade puder ser restaurada mediante alteração da redação da reivindicação. Assim, o requisito de atividade inventiva que é o mais subjetivo a ser examinado só o será para os casos em que todos os demais requisitos já tiverem sido cumpridos. Para arrematar, um exame a posteriori dos artigos 22, 24 e 25, de ajuste mais fino.
Por último, uma vantagem não óbvia é a possibilidade de obtenção de dados numéricos. Uma vez um parecer binário como esse sendo levado para um software específico de exame, cada enquadramento em SIM ou NÃO pode gerar estatísticas de negação de reivindicação, uma informação que hoje não coletamos e que poderia embasar decisões estratégicas futuras. Mas, a proposta para um novo SINPI fica para um próximo artigo!
Giselle Gomes é Bióloga, Bacharel em Genética, Mestre e Doutora em Biofísica. Examinadora de Patentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial do Brasil desde 2004. É filiada ao Partido NOVO desde 2016 e concorreu nas eleições de 2018 ao cargo de Deputado Federal. Para currículo, contato e maiores informações, acesse: www.gggomes.com Este artigo reflete unicamente a opinião do autor e não pode ser vinculado as Instituições pelas quais é filiada, estudou, trabalha ou trabalhou.
[1] O Art. 9° é o equivalente para Modelo de Utilidade. A lógica é a mesma, no entanto, para fins de concisão, o artigo focará somente nas Patentes de Invenção.
Texto muito interessante e, para mim, faz muito sentido tudo o que disse!